Nosso Norte


Olás amigos,

O  excesso de liberdade pode nos prender num descaminho sem fim. Fazem cinco anos que terminei a volta ao mundo e desde lá infinitos projetos surgiram na mente. Uma volta ao mundo abre muitas portas.

Inicialmente, utilizei a porta que já estava aberta há tempos, e voltei a trabalhar com arquitetura e construção.  Entre uma obra e outra, minha mente ia confabulando diferentes formas de viajar. Formas que utilizassem energia limpa, forças da natureza e humana. Pensei  em veículos híbrido com motor, pedais e vela, em carroças, em caronas, em ir a pé, etc.  Decidi fazer uma mescla de tudo e agora estou com uma bicicleta reclinada carregando uma prancha de surfe que serve de vela.  Viajo  variando entre pedaladas e caronas pelo Nordeste e Norte do Brasil.

Resolvi viajar pelo Brasil porque, nacionalismos e modéstias a parte, é um país fascinante. Aqui tem um mundo de culturas e diversidades que quero conhecer melhor. No final da volta ao mundo desci de Recife para a Bahia. Agora estou indo de Recife para Belém acompanhando o litoral.

Logo nas primeiras pedaladas fique impressionado com a quantidade de placas de terrenos e casas a venda, ou melhor “for sale” e com o deplorável turismo sexual. Isso me fez pensar muito antes de começar a escrever sobre nossas maravilhas, incentivando ainda mais um turismo que claramente não está contribuindo para a evolução social e ambiental dessa região. Busquei então o outro lado disso tudo, ou seja, busquei as comunidades que estão se organizando para fazer de suas belezas naturais e sociais uma ferramenta real de desenvolvimento. E elas existem – ainda de forma muito tímida mas estão atuando e deixando uma luz de esperança no fim do túnel.

No Ceará visitei alguns pontos da  Rede Tucum. Tucum é o nome de uma fibra natural de palmeira utilizada para trabalhos artesanais, dentre eles, a rede de dormir. Já a rede de turismo é formada por comunidades que estão trabalhando o turismo sustentável onde o turista tem acesso à cultura local, com economia solidária e intervenções de baixo impacto ambiental.

Em Prainha do Canto Verde houve um processo de organização comunitária para impedir que os terrenos fossem vendidos para pessoas de fora da comunidade. Essa decisão culminou na criação da Unidade de Conservação RESEX (Reserva Extrativista) onde o turismo comunitário é uma das estratégias para a geração de renda e uso sustentável do espaço.

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Em Icapuí exite um outro exemplo de responsabilidade social na Pousada Tremembé que é gerida pela Associção Caiçara que reverte parte da receita para realização de seus projetos. Quando cheguei por lá, estavam reunidos indígenas Tapebas de Caucaia para conhecer a rede Tucum do leste.

Em Barrinha tem a sede das Mulheres de Corpo e Alga. Trabalho que usa a matéria local para fazer produtos cosméticos naturais. A sede foi construída com terra, um catavento faz a irrigação da horta lateral e várias outras iniciativas de baixo impacto ambiental foram realizadas para a construção da sede.

O que existe em comum entre essas iniciativas é a luta para manter suas terras e sua cultura num momento em que, na maioria das praias está ocorrendo a troca dos povos locais, no litoral conhecidos como povos do mar, por grandes empreendimentos brasileiros e extrangeiros.

A peça fundamental que move toda essa engrenagem é o turista, ou melhor, o dinheiro do turista.   Para não ocorrer como acontece em praticamente todo litoral brasileiro, uma ocupação sem planejamento que transforma, em pouco tempo, nossas pequenas e simpáticas vilas de pescadores em amontoados de pousadas e restaurantes sem nenhum respeito ao meio ambiente e ao povo local, quando estiver viajando, pense bem onde vai deixar seu dinheiro e tenha consciência da importância dessa atitude.

O que pode ser uma solução para esse nosso mundo que parece a cada dia ir mais rápido na direção errada? Quando estou inseguro do caminho, diminuo a velocidade. Observo mais. Se preciso, paro e volto. O sistema em que submergimos precisa dessa desaceleração, de uma retribalização evolucionária. Desde a Revolução Industrial, entramos numa bola de neve sem fim. Precisamos entender o que foi realmente evolução e o que foi experimentação que agora, visivelmente vemos que não estão funcionando e deve ser descartada. Voltar à economia local, buscar comprar nos pequenos comércios, onde se vê para onde seu dinheiro está indo. Procurar manter a moeda como um bem de troca e não um bem de acúmulo. Buscar o escambo, o reaproveitamento com feiras de trocas, o artesanato o os bens com materiais locais. Sem abrirmos mão das facilidades que todo um sistema global nos oferece para trocas a longa distância, principalmente de conhecimento, que coneguimos hoje com nosso desenvolvimento. Voltar a ter comunidades independentes ambientalmente, capazes de gerar sua própria água, tratá-la e reaproveitá-la, capazes de gerar sua própria energia e, quando existir excesso de geração, conseguir  retorná-la  para a rede comunitária. Plantar seu próprio alimento, construir sua própria casa, etc. Isso dá força para a comunidade enfrentar os vários desafios ambientais, políticos e sociais que possam existir.

Seguirei procurando comunidades com exemplos interessantes e ficarei muito grato com dicas nesse meu percurso, principalmente pelo litoral do Ceará, Piauí e Maranhão.

Vou com os ventos Alísios.

Abraço,

Argus

Paracuru CE 28-02-10


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