Etapa 2 – Relatório 3


19.AGO.2002

Com poucos dias em Cairns consegui a esperada carona de veleiro rumo ao sudeste asiático, Estreito de Torres, paramos em Thursday Island e seguimos pelo Mar de Arafura até Darwin, de onde peguei um avião para cruzar o Mar do Timor e chegar em Dili, no Timor Leste.

Seguramente a barreira de corais foi durante muitos anos um desafio para as embarcações que tentavam atingir a costa pelo Oceano Pacífico. Hoje, mesmo com todo mapeamento e tecnologia de localização por satélite (GPS – Global Position System), esse trecho ainda exige bastante atenção.

Barreiras de corais

Revezávamos de noite a “guarda” onde um sempre ficava acordado atento ao vento, navios e equipamentos de navegação. Numa noite em alto mar, sem a luz da lua, o céu fica leitoso com a luz de tantas estrelas. Durante as “guardas” tínhamos tempo suficiente para perceber a Terra girando – com nosso planeta girando do oeste para o leste, o sol e as estrelas parecem se mover na direção oposta. Junto com toda constelação tinham milhares de estrelas cadentes – meteoritos muitas vezes do tamanho de um feijão que entram na atmosfera em grande velocidade e, com o atrito, desmaterializam e se transformam em energia. Várias das estrelas que vemos já não existem mais, vemos apenas sua luz que ainda não “terminou de chegar” na Terra. Nossa companhia eram o mar e o céu que cada dia nos dava alguma surpresa. Além de golfinhos, baleias e milhares de peixes voadores existem os planctons – algas que flutuam e emitem uma luz quando entram em movimento. Era possível ver o rastro de luz que o barco deixava por onde passava.

Dentre todas maravilhas a mais intrigante é o nosso universo infinito. Um constante mistério do mundo metafísico, invisível e inapreensível que a ciência em sua luta pelo conhecimento sempre deixará na fresta da imaginação. Basta uma noite vendo as galáxias e suas milhões de estrelas para entendermos quanto somos pequenos.

Mais de 70% da superfície de Terra é água. Nossos oceanos são responsáveis por grande parte do nosso equilíbrio ambiental. São as algas marinhas o pulmão da mundo e são os oceanos os distribuidores da energia solar, regulando e alterando o clima. O Oceano Pacífico é o maior e mais profundo dos oceanos – sua profundidade média é de 3.940 metros e seu ponto mais profundo é de 10.920 metros. Ele cobre a 46% da superfície terrestre, separando a América do Sul e no Norte da Ásia e Austrália.

Veleiro no Oceano Pacífico

Pela primeira vez temos uma tecnologia de satélites que nos permite monitorar a vida na Terra e quantificar as alterações que estão sendo provocadas por nós humanos nos continentes e oceanos.

“A Terra está passando por sua sexta grande onda de extinção. As cinco primeiras foram causadas provavelmente por colizões de meteoritos com nosso planeta que causaram uma grande nuvem de poeira e a diminuição da temperatura global. Nós humanos somos responsáveis pela pela sexta grande onda. Biologistas estimam que 11% dos pássaros terrestres desaparecerão em breve. Os botânicos alertam que uma de cada oito plantas entrarão em extinção. Metade de todas as espécies vivas podem desaparecer no próximo século.”

Atlas of the World – seventh edition – National Geographic

A destruição é explícita e o grande crime é nosso imenso crescimento demográfico. Nas áreas mais populosas da América do Norte, Europa, India e China as espécies nativas vivem em constante ameaça. Os seis bilhões de habitantes que vivemos hoje na Terra consumimos aproximadamente metade da produção natural do planeta e mais da metade de sua água doce.

Por mais contrastante que pareça, os que mais colaboram com essa destruição são os países “desenvolvidos” detentores da mais alta tecnologia e baixos índices de analfabetismo. Japão é um exemplo – com um dos menores índices de analfabetismo do mundo é um dos poucos países que segue matando nossas baleias. Possui um ministro da Agricultura que acredita que devemos matá-las para que os humanos não morram de fome. -“Vocês sabem que as baleias consomem de três a cinco vezes mais animais marinhos que os seres humanos?” – palavras do ministro da Agricultura do Japão Tsutomu Takebe. Inacreditável! Os Estados Unidos, um dos países mais “desenvolvidos” do mundo, é o que mais consome energia e lança monóxido de carbono na atmosfera. Se nega a diminuir esse percentual em detrimento da diminuição de sua produção e poderio econômico – o que contribui para o aquecimento global que é hoje um dos nossos maiores problemas ambientais.

O problema da elevação das temperaturas globais, que se estima um aumento de até 3 graus no próximo século, acarretará uma diminuição das calotas polares e aumento no nível dos mares em todo o mundo, acabando por inundar as áreas costeiras dos continentes e desaparecer pequenas ilhas, áreas essas onde estão concentradas aproximadamente 30 a 40% da população humana. Parte dos atóis e ilhas da Oceania correm risco de desaparecer.

Diante de tantas ameaças e de fatos que nos parecem tão distantes muitas vezes nos sentimos impotentes. Ficamos esperando do mundo uma resposta que não chegará nunca se cada um não fizer seu pequeno esforço. Para salvar um oceano o primeiro passo é respeitar o pequeno riacho que passa perto de nossas casas.

Velejando temos uma boa noção de nossa interferência no meio ambiente. Na “casa ambulante” vemos a quantidade de água doce, comida e energia que consumimos e o lixo que produzimos. Todo lixo é dividido em orgânico e inorgânico. O orgânico é lançado no mar e facilmente decomposto e o inorgânico é lavado e guardado para ser retirado na terra. Em geral grande parte do lixo inorgânico – metais, plásticos e vidros – pode (ou poderia) ser reciclado, diminuindo a poluição e utilização de energia.

De Cairns entrei como tripulante num veleiro sundeer 60 pés. Foi como estar na beira de uma estrada e conseguir carona num Rolls Royce. Foram oito dias velejando com uma rápida parada entre Cairns e Darwin, na Thursday Island, uma ilha australiana perto de Papua Nova Guiné. Passamos pelo Estreito de Torres e pegamos um vento constante e uma forte correnteza no encontro das águas do Mar de Arafura e Oceano Pacífico. A ilha é famosa pelo cultivo de pérolas e sua população é uma mescla de aborígines, melanésios e japoneses.

Venda de pérolas nas ilhas ao norte da Austrália

As maiores preocupações em um veleiro são um tripulante cair no mar, o veleiro ser atropelado por um navio, bater a quilha num local raso ou, no sudeste asiático, ser assaltado por piratas. Navegar no litoral muitas vezes é mais perigoso que em alto mar pois o perigo da baixa profundidade é constante. Os furacões em alto mar também são menos perigosos que no litoral. Em algumas competições oceânicas os veleiros chegam a procurar os locais de furacão para terem ventos mais fortes.

Deixamos as águas do Pacífico e fomos para o Golfo de Carpentária no Mar de Arafura navegando em mar aberto até Darwin completando 1500 milhas náuticas (aproximadamente 2700 km). Nossa tripulação foi bastante variada: Lisandro argentino, Silvio brasileiro, Alberto espanhol e Sanja iugoslava – bons amigos que agora seguem para o sul da África. Bons ventos para vocês e obrigado pela carona!

Darwin, conhecida como top end, fica no Território do Norte, fronteira do continente com o mundo asiático. No natal de 1974 o Ciclone Tracy destruiu a cidade que está até hoje em reconstrução. É um ponto de turismo de aventura e grande parte dos visitantes são mochileiros em jipes. Em 1998 seus habitantes foram convidados a serem o sétimo estado da Austrália e o convite foi negado. Aqui parecem gostar da idéia de “forasteiros da fronteira”. Por ser um Território não possuem voz no Parlamento, possuem representantes que vão a Canberra e assistem às sessões mas não votam, não participam e não possuem nenhuma influência. Parece patético mas é verdade! A população vota mas seus votos não contam.

Didjerido ou

O norte da Austrália é onde se concentra grande parte dos aborígines. Até 1970 grande parte dos filhos aborígines eram separados de seus pais para serem adotados ou enviados a centros públicos – uma forma estúpida de prepará-los para uma vida com os brancos – o mais surpreendente é que até os anos setenta isso era legalizado, os pais aborígines não possuíam a custódia legal de seus filhos que era responsabilidade do Estado. Nessa época também ocorreram vários deslocamentos forçados das comunidades que foram para locais sem interesses imobiliários. Muitos suicídios ocorreram. Hoje o Estado tenta dar apoio financeiro e facilidades para adquirir casas, carros, etc. mas o estrago foi grande demais para ser reparado somente com dinheiro. Eles perderam suas terras, desestruturaram suas famílias e não conseguem se adaptar ao mundo “moderno”. Infelizmente não passei em nenhuma reserva aborígine e a única imagem que fiquei dessas comunidades foi de bêbados nas cidades.

Aborígines bêbados – cena comum nas cidades australianas

Em Darwin finalizei minha etapa de dois meses na Austrália com 2000 km pedalados e vários quilômetros de caronas. Peguei um avião (made in Brazil! – Embraer) de Darwin e acabo de chegar na ilha do Timor. A bicicleta não coube no avião e vem de navio. Uma parte da ilha é da Indonésia e a outra é do Timor Leste, a Nação mais nova do mundo, que acaba de obter sua independência (20 de maio de 2002). Dá até um frio na barriga de ver esse momento histórico tão perto.

Bem vinda Ásia!
Um abraço e até a próxima

Para saber mais
Acompanhe as notícias da Cúpula Mundial de Desenvolvimento Sustentável que está
ocorrendo hoje em Joanesburgo:
www.riomaisdez.org.br
www.rio-plus-10.org
www.earthsummit2002.org