Etapa 1 – Relatório 8


07.ABR.2002

Ola amigos, acabei de atravessar a Bolívia e agora começo a rota no Peru. De Oruro fui para Caracolho, Tapacamaia e cheguei na capital La Paz, onde passei alguns dias. Depois de La Paz segui para o sagrado Lago Titcaca passando por Laja e pela importante Tiwanaku.

Agora estou pedalando no altiplano andino. A mudança da subida dos Andes para o altiplano é notada não somente pela geografia mas também pela sua população que agora é dividida entre a etnia quíchua e aimará. Esta comunidade aimará é mais antiga e com uma arquitetura mais requintada – as casas possuem muros com adornos, pequenos jardins e vários volumes. As expressões culturais contempoâneas se intensificaram e várias vezes presenciei ritos de homenagem ao sol, à terra, à lua, etc.

Aqui existe uma divisão do mundo em três dimensões: Alaxpacha, Akapacha e Mankapacha que significam tudo que está acima da terra, tudo que está na terra e tudo que está dentro da terra respectivamente. Akapacha possui várias pachas e a mais celebrada é a Pachamama que é a senhora da força dupla, de tudo que tem condição de reprodução – a Madre Tierra que é fecundada pelo Padre Sol.

A cidade de Oruro é muito famosa pelo seu Carnaval que é considerado Patrimônio Cultural da Humanidade. Fundada em 1606 fica a 3700 m.a.n.m. e é importante polo metalúrgico (estanho e antimônio). De Oruro fui para La Paz, passando por Caracolho e Tapacamaia e no caminho encontrei um companheiro ciclista canadense, Trent Wieb, que já está há dez meses na estrada www.overlandexplorers.com.

Existem vários morros com neve eterna no altiplano, estou pedalando entre 3000 e 4500 m.a.n.m. (o ponto mais alto do Brasil é o pico da Neblina, no Amazonas, com 3014 m.a.n.m.). Para chegar em La Paz – a capital mais alta do mundo com 3.636 m.a.n.m. e um milhão de habitantes – passei por El Alto e, para meu azar, além do frio tradicional peguei também névoa e chuva. Depois de descer as montanhas que cercam a capital minhas mãos e rosto estavam congelados – não conseguia passar a marcha da bicicleta e minha boca quase não mexia. Achei um hotel e fiquei quase três horas no banho quente para voltar ao normal.

Em La Paz está ocorrendo um forte movimento de resgate da cultura autóctone. Um dos bares mais agitados da noite pacenha é o Ojo de Água que tem sempre apresentação ao vivo de grupos bolivianos e toca somente ritmos tradicionais. A capital é bastante agitada, praticamente todos os dias ocorrem passeatas no já conturbado centro. Presenciei protestos por melhores salários de professores (ganham aproximadamente 80 dólares por mês) e pela retirada dos alemães que compraram a empresa telefônica estatal boliviana.

A capital boliviana foi construída, no Séc. XVI, em um terreno desocupado. Os únicos vestígios pré-hispânicos de La Paz são as pedras incas trazidas de outros locais e que foram utilizadas para a construção de algumas igrejas. Depois de se estabelecerem nos Andes, os espanhóis começaram o grande genocídio cultural destruindo as edificações incas e contruindo igrejas católicas sobre seus escombros. Hoje a maioria da população boliviana é indígena, os quíchuas e aimarás representam mais de 50% da população, mas a auto-suficiencia pré-hispânica foi trocada por uma instabilidade capitalista que faz com que os descendentes incas vivam no limiar entre a subsistência e a miséria.

La Paz possui alguns edifícios modernos nas grandes avenidas centrais e uma das características mais marcantes da cidade contemporânea são seus prédios “disfarçados” de contrução. Muitos moradores preferem deixar os tijolos sem reboco para pagarem o imposto de obra, que é mais barato que o imposto dos prédios finalizados.

Visitei a Universidade Estatal de La Paz e fui convidado para dar uma aula na Faculdade de Arquitetura. Foi muito interessante e no final quem mais aprendeu fui eu que aproveitei a oportunidade para tirar minhas dúvidas sobre as técnicas utilizadas para fazer as casas de barro e palha, muito comuns nos Andes. Além das técnicas também são interessantes os rituais de construção como, por exemplo, deixar a casa sem telhado por um ano para que o sol possa habitá-la antes das pessoas entrarem.

De La Paz fui para Laja, local onde originalmente foi fundada a capital de Nuestra Senhora de La Paz em 1548 pelo capitão Alonzo de Mendoza e que logo foi transferida por causa do clima – a atual La Paz está rodeada de morros e fica protegida do vento frio do altiplano.

Bolívia possui hoje 63% de sua população vivendo nas cidades e 37% nas áreas rurais. Na beira da estrada é muito comum ver os campesinos trabalhando no cultivo, principalmente batata, cevada, quínua, kiwicha, e na criação de ovelhas e llamas. Não existem cercas para pastos e para cada dúzia de animais existe um campesino que fica todo o dia acompanhando o pastoreio. Muitos campesinos amarram os pés dos animais como se fosse uma algema evitando que se distanciem. Quase todo cultivo é manual e vi pouquíssimos tratores.

A quínua e a kiwicha são plantas muito nutritivas e sua produção foi proibida pelos espanhóis na época colonial forçando a população a consumir produtos da Espanha. Na década de 70 a kiwicha foi redescoberta pelos cientistas da NASA e foi utilizada como alimento para os astronautas.

Em Tiwanaku conheci um pouco das ruínas de uma civilização que antecedeu os incas e já existia em 2000 a.C. segundo o Arq. Arql. Javier F. Escalante e ao menos 12.000 a.C. segundo o Dr. Jorge Angel Livraga Rizzi (Cruz de Paris em ciências, artes e letras). Pude ver o recém chegado monumento Benet que foi recolocado em seu local de origem após décadas vividas em La Paz, onde foi danificado e perdeu muitos dos seus desenhos originais.

Em Kalasasaya, no centro cívico cerimonial de Tiwanaku, está o monólito Ponce – uma escultura antropomorfa de um sacerdote com um rosto com lágrimas que parecia já prever a estupidez humana que deu fim à civilização tiwanakota e inca.

As construções tiwanakotas foram feitas não para serem reverenciadas e sim para reverenciarem os elementos da natureza. Toda implantação do centro cerimonial está direcionada para o sol ou para lua, suas esculturas são carregadas de misticismos. Existem vários desenhos de jaguar e condor que significam o guerreiro terrestre e o sacerdote em contato com o céu sagrado.

Perguntei para os cordenadores do Museu de Tiwanaku sobre a possibilidade de ver a lua cheia nascendo na Puerta de la Luna e depois de muita burocracia me apresentaram a proposta de um suborno de quinze dólares, além de pagar a entrada normal, para permitirem minha entrada fora do horário – Que os Deuses tiwanakotos perdoem essa e as várias outras corrupções bolivianas que tive de escutar no percurso.

Atualmente existe o Projeto Tiwanaku da Associação Intervida que trabalha com sete mil estudantes entre 6 e 14 anos. São oferecidas atividades extracurriculares direcionadas às necessidades da população. As aulas de reforço de matemática são feitas junto com o aprendizado de cultivo com atividades como: contar plantas, folhas, medir comprimento, pesar e valorar seu preço no mercado, buscando assim integrar os estudantes aimáras com suas atividades cotidianas.

De Tiwanaku fui para o Lago Titicaca que é a divisa da Bolívia com o Peru. Passei por Desaguadero, alguns povoados no Peru e voltei para Bolívia. O lago Titicaca e seu entorno são heranças vivas da civilização tiwanakota e incaica. Lugar sagrado do filho do sol, com vários mitos e lendas. Um dos mitos aponta o lago como local do nascimento do Império Inca.

O lago Titicaca possui dimensões oceânicas (8.340 km2), água ligeiramente salgada e várias ilhas. Perto de Copacabana, pequeno povoado muito visitado pelos turistas, existem as Isla del Sol e Isla de la Luna. Estive em Copacabana durante a Semana Santa e vi milhares de fiéis que fizeram peregrinação até o calvário da Virgem de Copacabana. A grande festa veio com muita poluição – a beira do lago ficou cheia de plásticos e latas.

Visitei a Isla del Sol e aproveitei para fazer um trabalho junto com o professor de Ciências Sociais Juan Cruz Quispe e seus alunos da Unidad Educativa Yumani que fizeram desenhos e textos sobre diferentes temas relatando os costumes de seu país: Agricultura, Vestimentas, Comida, Ruínas Incas, Lago Titicaca, Transporte, Madre Tierra e Música. O resultado foi muito bom e tentarei fazer o mesmo em todos os países que passar.

Aproveito para convidar todas as escolas e participarem com desenhos e textos de alunos mostrando as principais características de onde vivem. Dessa forma poderemos, através do site, fazer um intercâmbio direto entre os estudantes. Os trabalhos podem ser escaneados e enviados para o email:argus@gcsnet.com.br . Com a participão de todos, em breve teremos no site um mapa interativo onde as regiões serão representadas pelos trabalhos dos alunos.

Um grande abraço,
Argus

Para saber mais
La Paz
www.ci-lapaz.gov.bo
Projetos arquitetônicos apresentados para o concurso do Parque Urbano Central de La Paz
www.parqueurbanocentral.org puclapaz@qmx.net

Ministério da Educação
www.veips.gov.bo
Associação Intervida – Projeto Tiwanaku
www.intervidabo-org
Coordenação do Ano Internacional das Montanhas 2002
www.aim2002bolivia.org
Chuquisaca – Asociación Sucrense de Ecologia
Aea@mara.scr.entelnet.bo
La Paz – Programa de Bosques Nativos Andinos
Probona@mail.megalink.bo
Oruro – Centro de Estudios y Pueblos Andinos
Cepaoru@nogal.oru.entelnet.bo
Potosi – Sociedad Potosina de Ecologia
Sopeforo@cedro.pts.entelnet.bo
Santa Cruz – Asociación Ecológica del Oriente
Belinda@zuper.net jlaramayo@unete.com
Tarija – Vida Verde
Vive@olivo.tja.entelnet.bo

Livros
El enigma precolombino – Fernando Schwarz
Magia, Religión y Ciencia para el Tercer Milenio – Jorge Angel Livraga
Los Incas – Waldemar Espinoza Soriano