Etapa 3 – Relatório 7


Salam, Os últimos dias no Irã foram correndo de ladrão e de polícia.

Os últimos dias no Irã foram correndo de ladrão e de polícia. Primeiro tentaram nos assaltar perto da fronteira com o Iraque. Depois, já perto do mar Cáspio, a polícia desconfiou que fôssemos espiões e nos seguiu por cinco dias. Basta! Resolvemos pegar um ônibus e fugir do país.

De Khorram Abad, ao sudoeste do Irã, seguimos pedalando por uma área árida com algumas montanhas e poucas árvores. Não existem hotéis nesse trecho, contamos com a hospitalidade iraniana e dormimos em casas de famílias. Essa região foi a mais bombardeadas durante a guerra Irã X Iraque e ainda está se recompondo da destruição. Vimos, nas ruas e nas casas, várias fotos de mártires dessa guerra.

Embora a história seja de tanta violência nós vivenciamos ali algumas situações de total singeleza. Conhecemos um estudante de administração que está esperando a mãe arrumar uma esposa para ele. – Não gosto de namorar, pedi para minha mãe e ela está procurando uma mulher de boa família para eu casar. Nos afirmou. Numa outra situação acampamos perto de um barracão com um casal de velhinhos. Na manhã nos ofereceram chá e, sem trocarmos nenhuma palavra, nos despediram em prantos.

Transporte no sul do Irã

Nas paradas de beira de estrada sempre chamávamos muita atenção e reuníamos curiosos. Em uma das paradas apareceu um policial no meio da agitação e nos pediu os documentos. Apesar de estarmos com tudo correto ele não nos devolveu os passaportes e falou para irmos para o posto policial. Estranho… nos pareceu corrupção. Arrancamos o passaporte da mão dele e contamos com a ajuda do grupo de pessoas ao redor que o convenceu a parar de nos perturbar.

Seguimos pedalando entre plantações de trigo e tomate e após três dias chegamos em Kermanshah, a maior cidade iraniana perto da fronteira com o Iraque. Esta foi uma das cidades mais destruídas durante a guerra e hoje existe um enorme quartel em constante estado de alerta. Por todos os lados existem barricadas e carros do exército.

Logo quando chegamos uma camionete nos parou e um senhor saiu falando em persa. Parecia mais um querendo nos ajudar ou perguntando de que país éramos. Sem entender nada falamos –Brasil and Germany! O homem seguiu falando. Perguntamos então por um hotel. Ele indicou uma rua e depois nos mostrou um maço de dinheiro e apontou para o meu bolso. A princípio pensei que queria nos cobrar pela informação. Então o sujeito voltou para o carro, pegou uma faca e saiu com uma cara de louco. Nunca pedalamos tanto! O malandro voltou para o carro e começou a nos seguir pela cidade. Pareceu filme policial. Ele de carro e agente de bicicleta. Entramos na contramão de uma avenida e acabamos conseguindo nos esconder. Fomos dar queixa na polícia mas ao invés de tentarem achar o bandido os policiais ficaram de papo furado perguntando sobre nossa viagem.

Fronteira com o Iraque, quartel do exército, bandidagem e polícia incompetente. A pergunta era óbvia – O quê que nós estamos fazendo aqui? Ao invés de irmos para um hotel fomos direto para a estação e pegamos o primeiro ônibus para sair da região.

Fomos para o norte. No caminho tomamos um banho improvisado num banheiro de restaurante e chegamos às 4 da madrugada na cidade de Zanjam.Os hotéis estavam fechados mas por sorte um simpático iraniano apareceu e nos ofereceu sua casa para dormirmos.

Criançada em Zanjan

Passamos um dia com a simpática família que nos ajudou a descontrair e decidir a próxima rota. Decidimos atravessar o lindo vale do rio Gezel Uzam, subir as montanhas Talesh e descer para o mar Cáspio. Para evitar mais urucubaca fizeram uma cerimônia onde passamos debaixo do alcorão e fomos abençoados com água e pétalas na despedida.

Vale do rio Gezel Uzan

Geralmente eu pedalo na frente da Alexandra e de tempo em tempo faço paradas para nos encontrarmos. Foi a forma que encontramos para ajustar nossa diferença de velocidades. No primeiro dia de pedalada eu estava alguns quilômetros à frente e um carro da polícia me parou. Três policiais verificaram que meu passaporte estava correto. Ao invés de me liberarem me obrigaram a ficar parado até a Alexandra chegar. Um comportamento estranho que, como bom mineiro, me deixou desconfiado. Alexandra chegou, verificaram que seu passaporte também estava correto mas não nos deixaram seguir sozinhos. Falaram que tínhamos de ir para o posto policial de Abbar, a 70 quilômetros dali, e durante todo o resto do dia nos acompanharam de carro. Uma situação nada agradável pois já havíamos escutado várias histórias de pessoas que simplesmente desaparecem no Irã. A cada quilômetro a mente ficava mais criativa e pessimista sobre o que poderia acontecer no tal posto policial.

Vila no norte do Irã

Separamos os números de telefones das nossas embaixadas e planejamos avisá-las antes de entrarmos no posto policial. Chegamos na pequena Abbar no entardecer, desobedecemos os policiais que queriam que fossemos direto para o posto, desviamos o caminho e fomos para a rua principal. Encontramos o único telefone público da pequena cidade mas ele não estava funcionando.

Não teve outra solução. Tivemos de ir para o posto e nossa única garantia foram três moradores que nos acompanharam. No posto policial encontramos um tradutor que traduziu as milhares de perguntas. Queriam saber se tínhamos binóculos, computador, qual era o nosso objetivo, etc. Ficamos receosos que revistassem nossas bagagens. Apesar de sermos meros viajantes possuímos um verdadeiro arsenal de espião – câmera digital, notebook, gps, etc. Respondemos que tínhamos apenas câmera fotográfica, barraca, roupas, ferramentas e nosso único objetivo era fazer turismo de bicicleta. No final nos deixaram partir e fomos dormir na casa de um dos moradores que nos acompanhou no interrogatório.

Montanhas perto do mar Cáspio

Na manhã do outro dia os policiais nos seguiram novamente alegando que era “para a nossa segurança”. Falamos que gostaríamos de ir sozinhos e não queríamos a companhia deles mas nos explicaram que eram ordens do comandante e tinham do obedecer. Passamos todo o dia numa linda estrada de terra com a indesejável companhia. Na próxima cidade outro carro nos esperava e no outro dia fomos novamente seguidos. No quarto dia a situação ficou ainda mais estranha. Uma pickup nova com dois policiais bem vestidos e um tradutor apareceu exclusivamente para nos acompanhar. O tradutor nos falou outra vez que era para a “nossa segurança” e numa conversa já bem menos amena explicamos que a polícia era totalmente dispensável e gostaríamos ir sozinhos. A discussão foi inútil e continuaram nos seguindo 24 horas por dia. Nenhuma polícia disponibiliza tanta estrutura para a segurança de dois simples turistas! Finalmente conseguimos conversar com nossas embaixadas e ambas nos recomendaram sair do país o mais rápido possível. Ficamos um dia na pequena cidade de Masuleh na esperança de nos deixarem em paz mas fizeram vigília na frente do nosso hotel. Já não estávamos tirando fotos de nada e desconfiando de todos que chegavam para conversar. No dia seguinte descemos a motanha até Rasht de onde pegamos um ônibus direto para Tabriz, a meio caminho para a Turquia. Parece que os policiais não nos seguiram. No outro dia pegamos outro ônibus até Orumieh e pedalamos os últimos quarenta quilômetros até a esperada fronteira.

Fronteira com a Turquia -Adeus Irã!

Nunca saberemos a real distância que ficamos do perigo. Ao invés de nos proteger a polícia nos assustou com seu rigoroso controle e nos deu uma pequena amostra do terror que o governo exerce vigiando toda população.

Espero que os estudantes sigam lutando e que a liberdade seja alcançada sem violência. Tenho esperança que as mulheres parem de pagar por um pecado que não fizeram e em breve possam cantar, beijar, mostrar os cabelos e viver em igualdade com os homens.

No saldo final pedalamos apenas 650 km durante nossos 25 dias no Irã. Vimos menos de 20 turistas estrangeiros e nossos dois melhores momentos foram entrar e sair do país.

Agora estamos no leste Turquia passando por uma região ocupada pelos curdos… mas isso fica para o próximo relatório.

Grande abraço,

Argus