Etapa 3 – Relatório 9


Merhaba, Quanta montanha!

Estamos suando para pedalar aqui na Turquia. Desde os vales da Capadócia, no centro do país, passamos por dois grandes lagos, descemos para a costa do Mediterrâneo e agora estamos seguindo pelo litoral visitando várias ruínas dos grandes impérios da antiguidade.

A parte oeste do país é bastante desenvolvida e extremamente turística – bem diferente do que vimos na outra metade turca. A Capadócia marca o ponto de transição. Ao invés de barreiras do exército e tanques vimos hotéis, restaurantes, praias e milhares de europeus aproveitando as férias de verão.. O turismo aumentou, a hospitalidade diminuiu e tudo ficou mais caro.

Nós em Urgup - Capadócia

Passamos cinco dias pela Capadócia, uma região formada por uma incrível interação das forças naturais e humanas. Grandes vales de rochas vulcânicas foram e seguem sendo esculpidas pelo vento e pela água. A fértil área foi ocupada desde o Séc. XX a.C.. Primeiro vieram os hatti, depois os hititas, persas, gregos, romanos, árabes, seljuks, mongóis e otomanos. Para construírem suas casas esculpiram cavernas nas macias rochas e para cada filho que nascia bastava cavar mais um pouco e construir um novo quarto. Assim fizeram também igrejas, mercados, fortificações e verdadeiras cidades subterrâneas.

Morros escavados

Hoje grande parte das cavernas se transformaram em hotéis, bares e museus mas ainda é possível encontrar as moradias típicas nas pequenas vilas.

Afrescos nas igrejas da Capadócia

Seguimos caminho e passamos por muitas plantações irrigadas artificialmente. A agricultura é a principal economia do país. Plantam trigo, arroz, chá, algodão, tabaco, batata e várias frutas. Vimos e comemos melão, pêssego, maçã, pêra, figo e uva. Em um dos nossos acampamentos montamos a barraca no meio de um plantação, tomamos banho nos diques de irrigação e, no outro dia, o dono nos viu – além de não ficar bravo com a nossa folga ainda nos presenteou com um saco de batatas.

Em 1915 acorreu aqui um dos maiores genocídios do mundo. Os armênios, que viviam na região desde o Séc. VI a.C., foram perseguidos e estima-se que 1,5 milhão foi assassinado e outro 1,5 milhão fugiu do país. Esperávamos encontrar algum memorial mas aqui ninguém toca no assunto. Preferem a fórmula do “não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe”. Assim aprendem a história turca que é contada com a voz forte e irretocável do governo. Na escola não estudam sobre o genocídio e oficialmente negam o fato.

“Las tragedias conmueven al mundo en proporción directa a la publicidad que tienen.”
Eduardo Galeano

Após nossa passagem pelo leste do país estávamos curiosos para saber a versão dos “turcos-turcos” sobre os problemas com os “turcos-curdos”. Vários “turcos-turcos” nos explicaram usando quase as mesmas palavras “-Existe muito analfabetismo no povo Curdo, são facilmente manipulados e seguem qualquer grupo sem saber o que fazem. Querem dividir nosso país. Isso é inaceitável. Somos UMA Nação, UMA língua e UMA bandeira”. Nos afirmaram.

Se fosse possível entender uma guerra, eu diria que essa possui dois lados errados. Erram o PKK e o exército turco pois ambos matam civis. A verdadeira razão de tantos problemas parece algo que transcende uma disputa interna. Fica a impressão de uma rivalidade que é instigada por países que tentam enfraquecer a Turquia.

No início da invasão anglo-americana no Iraque os Estados Unidos fizeram uma oferta de 26 bilhões de dólares para que os turcos os ajudassem enviado tropas de apoio. A oferta balançou a ambição do país e quase foi aceita. A pressão européia e a força de união muçulmana contra os americanos prevaleceram e a oferta foi negada.
Hoje a proposta está se repetindo com outras proporções e estratégias. Fala-se no envio de tropas turcas para o norte do Iraque para “controlar” os curdos que vivem nessa área que por “coincidência” é rica em petróleo. Antes esses curdos eram perseguidos pelo Sadam Hussein que matou mais de 5 mil deles usando armas químicas. Agora, sem o Sadam, é necessário que alguém os “controle” para, em teoria, evitar que o PKK ganhe força no país vizinho. A desculpa foi bem formulada mas a decisão final ainda não foi tomada. Tudo depende para onde a balança vai tombar – de um lado está o inimigo americano e do outro o inimigo PKK.

“Turkey also keeps a close eye on the area of Mosul and Kirkuk, just a few
kilometres south of Kurdish-controlled territory, which has the third
largest oil reserves in Iraq.”

BBCnews

“The operation targeting nearly 5,000 terrorists in Northern Iraq, will be
put into effect in November. The Turkish Armed Forces (TSK) has completed
technical preparations for the operation. Turkish troops, which have been
mobilizing at the Iraqi border for some time have formed a military
defensive wall at the border. Targeted terrorist camps are to be bombed by
U.S. F-16 fighter jets and those trying to flee across the border will
come up against Turkish troops and be captured. Other details of the
operation will be clarified in talks in mid-October.”

Jornal Zaman
Habib Guler / Ankara / TURKEY

Seguimos pedalando entre as plantações e muitas montanhas. Visitamos Sultanhani Caravanserai, um dos maiores pontos de parada das caravanas da rota da seda. Estas construções serviam para proteger as mercadorias dos saqueadores. Possuem altas muralhas e um imenso portão. Dentro existem uma mesquita, lugares para as mercadorias, animais e para as pessoas dormirem.

Caravanserai - Ponto de parada da rota da seda

De quase todos os lugares é possível escutar os sons das mesquitas que, com seus alto-falantes voltados para a cidade, numa mistura de canto e prece, avisam os fiéis, cinco vezes ao dia, que Alá está chamando. Nesse momento as casas de chá esvaziam e aqueles que não podem ir à mesquita buscam um lugar limpo para se ajoelharem em direção à Meca e orarem.
Tomando chá

Uma das cidades mais religiosas e conservadoras da Turquia é Konya. Visitamos o local e nos impressionou a quantidade de mesquitas.

Mesquita em Konya

Acordamos ao som de dezenas de alto-falantes ecoando no nosso quarto. Arrumamos as bicicletas e seguimos oeste. Nossos próximos quatro dias foram pedalando, com muito vento na cara, na beira dos lindos lagos Beysehir e Egidir.

Pôr do sol em Beysehir

Alexandra seguiu tendo problemas com os homens turcos. Ela e várias outras mulheres ocidentais que encontramos reclamaram da falta de respeito. Teve homem que tentou beijar, ver por buracos nas portas, fazer gracinhas ou até mesmo parar o carro na beira da estrada para perguntar se queriam fazer sexo. Haja paciência! Teve até um senhor, com seus 60 anos, que tentou passar a mão. Destre as várias brigas e discussões que cada situação gerava guardarei a tragicômica e inesquecível cena da Alexandra correndo com uma vassoura na mão para bater num cara que tentou entrar no banheiro feminino que ela estava usando.

Algumas cenas foram realmente engraçadas mas as estatísticas de estupro daqui não têm nenhuma graça. Por isso, sempre que pudemos, relatamos os casos para a polícia e em três ocasiões conseguiram pegar os caras.

Vilas no caminho para o Mediterrâneo

Depois dos lagos descemos para a costa do mar Mediterrâneo, passamos pela turística Antália com suas muralhas e porto romanos e visitamos o teatro de Aspendos, uma das poucas ruínas bem conservadas do país.

Teatro de Aspendos - Séc. II d.C.

Seguimos para Olimpus onde matamos a saudade da praia que não víamos desde a Tailândia. Olimpus é a ruína de uma cidade do Séc. V a.C. escondida entre imensas montanhas com um rio que deságua numa pequena praia de água morna e cristalina. Ou seja, é um paraíso. Com exceção do masssivo turismo dos barcos de Antália que fazem day trip nessa praia, o local é habitado por um pessoal relax que fica na pequena vila de umas dez guest houses com casas de madeira.

Olympos

Depois de dois dias aproveitando a praia fomos para Kas de onde Alexandra seguiu de barco para a Grécia. Seu plano é chegar o mais rápido possível na Alemanha para evitar pedalar no inverno europeu. Boa sorte amiga!

“Assim como as flores murcham
E a juventude cede à velhice,
Também os degraus da Vida,
A sabedoria e a virtude, a seu tempo,
Florecem e não duram eternamente.
A cada apelo da vida deve o coração
Estar pronto a despedir-se e a começar de novo,
Para, com coragem e sem lágrimas se
Dar a outras novas ligações. Em todo
O começo reside um encanto que nos
Protege e ajuda a viver…”

Trecho do poema “Degraus” do poeta alemão Hermann Hesse

Meu plano é seguir mais alguns quilômetros pela costa até Izmir, uma cidade grande onde talvez eu consiga consertar meu notebook que quebrou. De lá pretendo voltar um pouco para o leste e descer pela Síria até a Jordânia e visitar o nordeste africano. Assim passo o inverno próximo à linha do Equador e não congelo.

Grande abraço,

Argus


Para saber mais:

www.lycianway.com
www.turizm.gov.tr
www.kultur.gov.tr
www.kapadokyaballoons.com

Grupo equatoriano que encontramos na Capadócia refazendo a Rota da Seda
www.rumboaxanadu.com

Jornais turcos em inglês
www.zaman.com
www.bakutoday.net
www.turkishdailynews.com
www.turkishpress.com